Os curiosos e imensos círculos em plantações de cereais não são mais novidade, pois já existem registros desse tipo há décadas, no mundo todo. Apesar disso, ainda intrigam muita gente e despertam a fascinante dúvida: serão sinais da presença de extraterrestres? Ufólogos se deliciam com os acontecimentos, enquanto os céticos afirmam que se trata apenas de traquinagem de desocupados. Mais uma vez, esse questionamento recai sobre os moradores de Ipuaçu, cidade catarinense de 7 mil habitantes.
Foto: Ivo Hugo Dohl/Divulgação
No dia 13 de outubro, pelo quinto
ano consecutivo, surgiram agroglifos (como são chamadas as marcas pelos amantes
da ufologia) em lavouras do município, situado no oeste de Santa Catarina. O
círculo principal, com 40 m de diâmetro, foi circundado por 30 outros, menores.
Na cidade, os sinais foram
registrados pela primeira vez em novembro de 2008 (de lá para cá, são vistos
sempre nessa época do ano) e deram início às discussões entre ufólogos e
astrônomos. Acredite ou não, o estudo dos círculos com a abordagem
extraterrestre tem até nome: cereologia. O presidente do Grupo de Estudos de
Astronomia do Planetário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
Adolfo Stotz Neto, conta que já se envolveu em discussões desse tipo.
"Ufólogo discute com emoção, mas você tem que derrubar as ideias
dele", diz o professor, afirmando que a pequena cidade do oeste
catarinense nunca mais foi a mesma. "Conseguiram colocar Ipuaçu no mapa.
Até mesmo do turismo. Turismo dos malucos."
O professor explica por que
descarta a hipótese de as marcas serem obras de seres de outros planetas.
"A estrela mais próxima além do Sol está a 4,2 anos luz. Se uma nave nossa
- não tripulada, é claro - viajar a 70 mil km/h, a maior velocidade que
conseguimos, levaria 65 mil anos para chegar lá", explica, indo além em
sua suposição. "Vamos supor que o extraterrestre saiu do sistema vizinho,
gastou uns 10 anos para chegar aqui, vencendo uma distância invencível, fez um
círculo e foi embora. Teria que ser um idiota absoluto. Isso funciona muito bem
no cinema, só."
Ele cita o projeto SETI@Home
(Seti at home), lançado no final dos anos 1990 com o propósito de monitorar
qualquer sinal de vida extraterrestre inteligente. Até hoje, não houve registro
de nenhum desses sinais. "Eu mesmo olho para o céu desde os 12 anos, e
hoje tenho 62 e já visitei os maiores observatórios do mundo. Nenhuma pessoa
entendida registrou algo desse tipo", conta.
No cinema
O cinema pode influenciar na
interpretação dos círculos. Em 2002, o filme Sinais, protagonizado por Mel
Gibson, transmitiu um pouco a tensão de um mundo invadido por alienígenas
hostis. Antes da visita dos possíveis colonizadores se tornar um fato conhecido
por todos, o personagem principal notava, constantemente, círculos como esses
em sua propriedade. O diretor M. Night Shyamalan brincou com os crop circles
(círculos da colheita, em inglês, como são chamados os desenhos), dando a
imaginar como seria se eles realmente fossem feitos por extraterrestres e
fornecendo combustível ao imaginário popular.
Como tudo começou
Mas os primeiros registros de
agroglifos são muito mais antigos: de meados da década de 1970, em plantações
de trigo, aveia e cevada do sul da Grã-Bretanha. As imagens se formavam a
partir de caules achatados, o que deixava as plantas caídas e resultava em
formas geométricas em meio às lavouras. Os primeiros símbolos eram simples
círculos, sem nenhum rebuscamento artístico. Logo de cara, passou-se a cogitar
que esses estranhos desenhos pudessem ser marcas para alienígenas ¿ uma
indicação para pouso ou algo do tipo. Assim que o fenômeno tomou notoriedade,
desenhos parecidos começaram a ser registrados também na Ásia, África e
Oceania.
Desde então e até hoje, centenas
de agroglifos aparecem a cada ano em todo o globo. Em 1991, no entanto, os
ingleses Doug Bower e Dave Chorley cansaram do anonimato e revelaram,
publicamente, serem os primeiros a desenharem os círculos, prática que
mantiveram ao longo de 20 anos. Foi o surgimento de um novo gênero de arte, que
hoje é feita em proporções gigantescas, envolvendo o desenho de formas cada vez
mais complexas.
Apesar de, em um primeiro
momento, poder significar um prejuízo na colheita dos fazendeiros (o que é
questionável, já que as hastes não são rompidas, apenas dobradas), a travessura
tem outra conotação na região de Wiltshire, na Inglaterra, onde as marcas
aparecem com mais frequência. O turismo é alavancado e muita gente paga aos
proprietários para visitar o local - sem contar a venda de souvenires e os
passeios de helicópteros, que atraem os interessados em ufologia. Eis aí uma
interessante trinca que, a princípio, representa partes antagônicas. Ao
analisarmos de maneira mais cuidadosa, notamos que elas se completam. Ufólogos
tentam, de qualquer modo, vincular os agroglifos com entidades extraterrenas.
Enquanto isso, artistas reivindicam a autoria dos desenhos e os fazendeiros
querem apenas que não lhes incomodem mais. Entretanto o caráter místico dos
círculos é que traz a fama à produção dos artistas e pode render um certo lucro
ao dono das terras contempladas com a arte.
Como são feitos
Mas se não é autoria dos ETs,
como, então, foram feitos esses desenhos gigantes? O material necessário para
desenhar os sinais é muito simples, de acordo com Stotz Neto. "As
plantações de hortaliças são amassadas com uma tábua e uma corda. Se a pessoa
for caprichosa, desenhando o projeto em casa e usando uma fita métrica, dá para
fazer coisas lindíssimas", conta. O segredo já foi revelado até em
programas de televisão. Depois de definido e marcado o comprimento do raio, com
uma fita ou uma corda, um membro da equipe fica no centro. Outro membro pega
uma tábua de cerca de 1,5 m, com cordas nas suas duas extremidades, e amassa os
caules empurrando a prancha com um pé, segurando-a pelas cordas. Após percorrer
a circunferência, é só fazer o mesmo até o centro do círculo.
Sozinhos?
A desmistificação, porém, não é
suficiente. Ufólogos encontram características particulares em cada desenho
para questionar a verossimilhança da ação humana nos locais. E boa parte da
população tende a optar, também, pelas explicações sobrenaturais. "Desde
que o ser humano se autocivilizou, de 10 mil anos pra cá, tem esse sentimento
de inferioridade, de que há algo superior. Vinha um trovão ou um tsunami e só
podiam atribuir isso a deuses. Mas hoje nós conhecemos perfeitamente as causas disso",
opina Adolfo Stotz Neto.
06 de novembro de 2012 • 07h42 •
atualizado às 07h43
http://noticias.terra.com.br/ciencia/noticias/0,,OI6278856-EI301,00-Astronomo+circulos+em+plantacoes+criaram+turismo+dos+malucos.html